Antes
de Alma abrir a porta já se ouvia a música animada e alta a tocar,
música típica de uma festa, abriram a porta e ficaram completamente
surpresos com a quantidade de pessoas que conseguia caber naquela
casa... Todos eles estavam ali para a festa de aniversário de
Isabel? Será que ela considerava amigos ou eram apenas conhecidos?
Independentemente do que fosse o número era realmente surpreendente.
Com alguma dificuldade conseguiram chegar até à cozinha onde Isabel
tratava dos preparativos para o jantar, atarefada, e acabaram por
ajudá-la, afinal toda a ajuda era bem-vinda. Mais tarde partilharam
a comida pelas várias mesas disponíveis pela casa para ninguém se
queixar que faltava comida e bebida, haveria comida em quantidade
mais que suficiente para todas as pessoas ficarem com a fome e sede
saciada. Mas com tanto trabalho não conseguiram parar um único
minuto para se servirem, deixaram as pessoas servirem-se naturalmente
e certificarem-se que tudo corria bem, quando finalmente conseguiram
parar por breves segundos para comer alguma coisa, Catarina ouviu a
porta bater e teve de ir abrir... Seria mais algum convidado?
Catarina
fora a única a ouvi-la e decidiu que apesar do seu ar de cansaço e
do cabelo mal-apanhado ir abrir a porta... E ficou sem qualquer tipo
de reação. Não sabia bem o que dizer, e muito menos sabia o que
sentia. Não acreditava em amor à primeira vista, mas não era
apenas e só atração. As borboletas no estômago apoderavam-se, os
nervos de não saber o que dizer, como o dizer e o que fazer.
Sentia-se a fazer figura de idiota, mas não conseguia fazer nada
mais a não ser admirar aquele rapaz:
-Hola!
- Disse o rapaz num
castelhano envergonhado. -
Como te llamas?
-Catarina
y tu?
-João.
-Português?
Pela
primeira vez falara em português, João era nome português e
decidiu arriscar.
-Sim
e tu?
-Sim,
na verdade sou portuguesa e espanhola.
-A
sério? Mas sempre viveste aqui?
-Não,
mudei-me para cá à uns dias, vim fazer a faculdade, e tu?
-Era
jogador do Benfica mas recebi uma proposta por Valência e acabei
para aceitar e vir.
-A
sério? O meu avô trabalha no departamento financeiro!
-Que
máximo! O mundo consegue ser mesmo pequeno...
-Podes
crer!
-Vieste
ao aniversário da minha prima Isabel?
-Sim...
Moro aqui em frente e a tua prima convidou-me para, pelo menos vir
cantar os parabéns. Diz-me que cheguei a tempo, por favor.
-Sim,
chegaste, está descansado! -
Trocaram um sorriso cúmplice. -
Queres entrar?
-Pudemos
cantar os parabéns e depois pudemos ir para minha casa para
conversarmos mais um pouco? Que a música está alta, é para
ficarmos mais à vontade.
-Então
vamos já embora que eles nem dão pela nossa falta.
-Tens
a certeza? Afinal é o aniversário da tua prima.
-Eles
não dão por nenhum de nós, se perguntarem dizemos-lhe que sempre
cá estivemos, que te parece?
-Uma
ótima ideia!
Catarina
fechou a porta de casa das primas e seguiu João até à casa em
frente, onde ele abriu a porta de casa e seguiu-o até à sala.
-Queres
beber ou comer qualquer coisa? Não sou o mais famoso dos
cozinheiros, mas dá para desenrascar.
-Deixa
estar, obrigada.
-Fico
contente por falar a minha língua por aqui, tenho alguns colegas
portugueses mas nos treinos falamos sempre castelhano.
-Eu
também me sinto bem por te ter encontrado e por puder falar a minha
língua por cá.
-Obrigada.
Os
sorrisos trocados eram uma constante, pareciam conhecer-se à anos e
davam-se naturalmente bem.
-Quantos
anos tens?
-Vinte,
e tu?
-Dezoito.
-A
sério? Tens cara de menina mas pensei que fosses mais velha, talvez
da minha idade.
-Fiz
dezoito anos em Maio.
-A
sério? Em que dia?
-Dia
vinte e sete, porquê?
-É
exatamente no mesmo dia que eu!! -
Exclamou entusiasmado.
-Que
coincidência!
Sorriram
em conjunto, será que o destino tentava uni-los de forma tão clara?
-Tens
família por cá?
-Não,
por enquanto vim sozinho para tratar de tudo, depois vem a minha
família passar uns dias, mas tenho-me sentido sozinho... País novo,
pessoas novas, língua nova, clube diferente, e tudo completamente
diferente e estou a adaptar-me.
-Mas
agora não estás mais sozinho, estarei sempre aqui para ti.
-Obrigada
do fundo do meu coração. Sei que não o dizes apenas por seres
simpática mas porque o sentes, eu vejo-o no teu olhar.
Catarina
corou, sentia-se tremendamente atraída por ele, mas de forma muito
diferente do que sentia por José, existia também uma atração
física, pela sua beleza e pelo seu charme natural, mas também pela
sua personalidade, apesar de mal o conhecer, o que conhecia adorava e
estava ansiosa por saber mais, e gostava tanto de conversar com ele.
-Acredita
que o digo de coração. E vou ajudar-te a falares esta língua num
instante.
-Obrigada
por tudo.
Depois
de dizer isto pousou as mãos quentes sobre as pequenas e frias mãos
dela que se arrepiou e não conseguiu escondê-lo.
-Desculpa.
Não foi por intenção.
A
rapariga tinha-se arrepiado dos pés à cabeça, não porque desejava
o seu toque, mas apenas porque ainda não tinha sentido o toque da
sua pele e a diferença de temperaturas e a ansiedade falara mais
alto, mas como poderia explicar-lhe isto, era preferível deixá-lo
pensar que fora por qualquer outro motivo. Ele não podia mexer assim
tanto com ela, simplesmente não podia. Ainda mal se conheciam. Se o
dissesse arriscava-se a perdê-lo e era tudo menos o que queria, por
isso decidiu mudar o rumo da conversa.
-Então
e tens irmãos?
-Sim,
mais novo, o Pedro, temos diferença de sete anos e tu?
-Também
sou irmã mais velha. Eu e a Camila temos um aninho de diferença.
-Ficou
em Lisboa com os teus pais?
-Com
a minha mãe na verdade. -
Corrigiu. - O meu pai
já faleceu.
-Desculpa,não
sabia...
-Não
tens de pedir desculpa, não sabias, nem tinhas como saber. Estou a
adorar falar contigo, a conversa tem fluido naturalmente e estou a
adorar conhecer-te.
-Eu
não sei mesmo como lidar com a morte... -
Confessou. - Até
porque a minha mãe também faleceu recentemente numa acidente de
viação.
-Sinto
muito.
Catarina
queria abraçá-lo e chorar nos seus braços. Doía, todos os dias
doía, era uma dor que a consumia por mais anos que passassem, e iria
doer sempre. Ao contrário do que sempre lhe disseram e ensinaram,
não aprendera a lidar com a dor com o tempo, nem aceitá-la. Era uma
ferida aberta mas aprendera a sofrê-la em silêncio. Aprendera a
fingir que nada se passava e a sorrir mesmo quando o coração
parecia desfeito em milhões de pequenos pedaços.
-Sabes
o que custa mais? Saber que nunca mais vou ver aquele sorriso, ouvir
a mesma história que ele me contava sempre, faz-me dar outro valor à
vida e viver cada dia como se fosse o último dia.
João
não resistiu e começou a chorar, Catarina sentiu o coração
apertado e decidiu dar-lhe um abraço e um pequeno beijo na testa.
-Desculpa.
Desculpa do fundo do meu coração, eu... Eu... Não queria deixar-te
assim. Não queria fazer-te chorar, nem causar-te mágoa, só quis
mesmo desabafar contigo. Desculpa.
O
rapaz limpou as lágrimas e tentou acalmar-se durante alguns minutos,
e a rapariga decidiu respeitar o silêncio.
-Desculpa
eu. Na verdade nunca tinha chorado em frente a ninguém, guardei todo
o sofrimento para mim, chorava na minha almofada à noite, em
silêncio e sozinho, tudo porque queria transmitir tranquilidade ao
meu irmão, mas agora que estou longe dele, não resisti, desculpa.
-Mas
não te faz bem guardares toda a mágoa para ti, aliás isso ainda te
corroí mais, eu sei, falo por experiência própria. Senão te
sentires à vontade para falar com ninguém, existe outras formas de
aliviares o peso que carregas em ti, por exemplo, eu descobri que
escrever era o melhor método, mas mais tarde acabei por me entregar
por completo ao trabalho e à escola e nem tinha tempo de pensar
nisso, mas quando parava um pouco, a dor corroía-me.
-Não
sei como tiveste a força de ultrapassares tanto. No fundo tivemos
que sermos fortes duas vezes, por nós e pelos nossos irmãos.
-Existem
pessoas com problemas piores, aprendi a lidar com eles.
-Mas
falando de coisas positivas. -
Catarina notava que ainda lhe custava falar sobre a morte de um
parente tão próximo e não insistiu, talvez com o tempo o fizesse
falar, mas sabendo que o facto dele ter chorado quando não o tinha
feito ao pé de mais ninguém, dava-lhe um sentimento de confiança e
segurança. - Está uma
noite tão boa, não queres aproveitar para ir dar um mergulho na
piscina?
-Queres
ir tomar um banho de piscina? A esta hora?
-Sim,
não foste tu que disseste que temos de viver a vida como se fosse o
último dia?
-Sim,
fui. - Trocaram mais
um sorriso cúmplice. -
Mas eu nem tenho biquíni... Estou de roupa interior.
-Esqueci-me
desse pequeno pormenor. Então pudemos ficar a conversar mais um
pouco.
-Pudemos
ir dar uns toques na bola para perto da piscina, que achas? Parto em
desvantagem, visto que tu és jogador profissional e eu limito-me a
ser preguiçosa profissional.
João
sorriu.
-Uma
excelente ideia, minha preguiçosa preferida.
João
fez Catarina corar mais uma vez, e ela levantou-se do sofá com ele e
foram até perto da piscina, já no elevador trocaram uma série de
olhares e sorrisos, quando chegaram ao terraço, delinearam as
balizas e começaram os remates à baliza. Até que a bola caiu para
dentro de água, onde nenhum deles conseguia chegar e por isso, ele
saltou para o interior da piscina.
-Queres
companhia?
-Queres
vir-me fazer companhia?
Catarina
não precisou de nada mais, pousou o telemóvel e atirou-se para
dentro de água, mas assim que o fez e voltou ao topo de água, João
encostou-a à parede da piscina.
-João...
- Disse ainda tentando
voltar à respiração normalmente mas com ele encostando a si era
impossível. - Eu quero
mas...
Ele
não a deixou falar, beijou-a. Um beijo com um misto de emoções,
atração, descobrimento, conhecimento, um pouco de amor, com
intensidade e com carinho, um beijo que soube a tanto e deixou
tanto... Ambos queriam, mas sabiam que aquele beijo poderia
significar tanto e deixar tantas dúvidas, mas mesmo assim só
separaram os lábios quando o ar começava a escassear.
-Tu
queres mas?
-Não
posso. - Pousou a mão
sobre o peito dele, impedindo-o de se aproximar mais. -É
cedo, tu não me conheces, eu não te conheço, o que sinto por ti
proíbe-me de seres mais que um caso de uma noite, mas se o fosses
ias deixar-me marca. Eu quero tempo, quero espaço, não quero
precipitar nada, e tu queres ir muito rápido, eu não consigo.
-Existe
outra pessoa na tua vida não existe?
Catarina
ficou atrapalhada, não existia ninguém que lhe despertasse tantas
emoções como João, mas existiam duas pessoas que lhe despertavam
outros sentimentos e ela não queria mais problemas, nem confusões
para o seu pobre coração.
-Não
mas...
-Porquê
os mas, as reticências e as dúvidas, deixa-me beijar-te mais uma
vez para acalmar essas vozinhas na tua cabeça.
-Eu
queria mesmo beijar-te mas...
Voltou
a interrompê-la e a unir os lábios. Um beijo diferente do anterior,
mais calmo, mas de cortar a respiração.
-Tens
de parar de me beijar enquanto estou a tentar falar! Assim não é
justo, perco os meus argumentos todos.
-Podes
continuar com o que estavas a dizer... -
Sugeriu olhando-a olhos nos olhos e fazendo-a arrepiar-se por
completo e esquecendo-se do que ia dizer.
-Não
acredito em amores à primeira vista.
-Nem
eu.
-O
que sinto por ti é mais intenso que um caso de uma noite, mas também
não é uma amizade, mas ainda não é amor.
-Ainda
não é? O que queres dizer com isso?
-Que
temos de ir com calma, por favor. -
Pediu. - E isso
significa que não me podes beijar quando queres só para calares os
meus medos, os meus receios e as minhas dúvidas, isso não é justo.
-Existe
algo no teu passado que não te permite olhar para o futuro
diretamente, eu percebo isso, e gostava que falasses comigo sobre
isso, por favor, como falamos de tantas outras coisas, e nos abrimos
por completo, sem medo.
-Não
posso. Posso falar sobre tudo o que quiseres falar, mas não sobre o
meu passado romântico, ainda é cedo.
-Eu
respeito o teu espaço e o teu pedido, mas também quero sentir que
tenho direito a uma oportunidade, ou pelo menos a entender o que
sentimos um pelo outro.
-Vamos
dar tempo ao tempo, começar a dar pequenos passos, pode ser?
-Os
seus desejos são ordens. -
Pegou na sua mão e beijou-a. -
Queres sair da água?
-Sim,
mas vais tu primeiro, e depois temos de ir tomar um banho de água
quente para não ficarmos doentes.
-Doentes?
Com o calor que está?
-Não
consigo tomar banho de água fria.
Ele
sorriu.
-Eu
dizia-te para tomares banho em minha casa e ficares por lá, mas não
tenho roupa para ti.
-Podemos
ir para minha casa, até porque nem a conheces.
-Moras
sozinha? Pensei que morasses com alguém da tua família.
-Tenho
um quarto em casa dos meus avôs, mas também tenho um T0 só para
mim à beira do Mestalla.
-A
sério? E foste tu que o compraste?
-Foi
prenda dos meus avós pela maioridade. Não é uma casa muito grande
mas dá bem para mim.
-Então
deixa-me só ir tomar um banho a minha casa e mudar de roupa e já
vamos jantar alguma coisa para tua casa.
-Tens
fome?
-A
diferença de horário mata-me, mesmo que seja uma hora dá cabo de
mim.
-Têm
uma rotina diferente da nossa, existe a “siesta”, almoçam e
jantam mais tarde, compreendo-te e bem.
-Podes
querer, mas como tenho estado por casa sozinho mantenho a rotina de
Portugal, mas quando me junto com a equipa sinto logo, o que vale é
que tenho colegas portugueses e sempre vou mantendo alguns hábitos
por lá.
-Eu
sei que tens, sou mulher mas dou uns toques de futebol. O teu
treinador chama-se Nuno Espírito Santo, e treinou o Rio Ave o ano
passado e levou-os a duas finais, na Taça da Liga e na Taça de
Portugal, e perdeu ambas para o nosso querido Benfica.
-Logo
vi que tinhas bom gosto e eras benfiquista.
-Uma
verdadeira portuguesa tem de ser benfiquista. E por cá torces por
quem?
-Senão
torcesse pelo Valência, provavelmente o meu avô tirava-me da
herança.
-E
se não fosse pelo teu avô, não torcias na mesma pelo clube?
-Sim.
- Confessou. -
A minha mãe é natural de Valência, tenho família e raízes de cá,
também cá pertenço, mas pelos clubes que vejo até simpatizo com o
Barcelona.
-A
sério? Mas agora vais torcer pelo Valência! Aposto que o teu avô
até te quer fazer sócia!
-Estás completamente certo, mas eu disse-lhe que ser sócia e ser adepta de um clube, só iria ser um para toda a minha vida, e chama-se Sport Lisboa e Benfica, pelo Valência sou simpatizante.
-Estás completamente certo, mas eu disse-lhe que ser sócia e ser adepta de um clube, só iria ser um para toda a minha vida, e chama-se Sport Lisboa e Benfica, pelo Valência sou simpatizante.
-E
fazes muito bem! E diz-me mais o que sabes da minha equipa, quero
saber quais são os teus conhecimentos futebolísticos.
-Tens
como colega de equipa portugueses, o Rúben Vezo, que veio do Vitória
de Setúbal e o André Gomes, que veio do nosso Benfica, e marcou um
fantástico golo ao Porto que nos levou à final na Taça de
Portugal, e também és colega de equipa do Rodrigo, avançado que
também veio do nosso Benfica, e muito falam que o Enzo Pérez está
para vir, mas o Valência não quer dar 30 milhões por ele, e o
Benfica agradece, é um jogador que nos dá muito jeito. E tu estás
por cá emprestado, correto?
-Sim,
é verdade, vamos lá ver como corre esta época. Vim de uma segunda
divisão portuguesa para uma das maiores ligas do mundo para um clube
com grandes ambições, mas vou dar o meu melhor e tentar adaptar-me
da melhor forma possível.
-Assim
é que é falar, rapaz! -
Trocaram mais um sorriso cúmplice. -
E sei que tens colegas de equipa como o Diego Alves, o Mustaffi, que
acabou de vir do Mundial onde até foi campeão do Mundo pela
Alemanha, Dani Parejo, que é o capitão de equipa, e o teu colega de
defesa, mas não de posição, José Gayà, por quem o meu avô
simpatiza e muito, e a minha prima também não. Além dos que já
falamos.
-Interessada
por futebol, portanto.
-Dizem
que sim.
-Vamos
então sair da água?
-Sim,
vamos.
Ambos
nadaram para as escadas e saíram da piscina.
-Conheces
o José? Falaste dele de forma diferente...
O
que será que Catarina vai responder?
Será
que vai responder-lhe a verdade? Como será a relação de João e
Catarina?