domingo, 30 de outubro de 2016

Capítulo 15: “Sem querer, mas por tanto me querer, vim parar aos teus braços”


(Alma)
A rapariga viu as feições do seu namorado mudarem radicalmente. O sorriso e a alegria sempre presentes na sua face tornarem-se numa expressão que ela de todo desconhecia e não conseguia descodificar. Ela nunca o tinha visto assim, e chegou a ter receio do que ele pudesse fazer, não a si, mas a Iker.

-Alma... - Shkodran abraçou-a e ficou à espera de uma reação que simplesmente não aconteceu. -Estás bem?
-Sim, meu amor... Quer dizer não sei. Eu nunca tinha partilhado isto com ninguém.
-Obrigada por confiares em mim. - Deu-lhe um beijo no nariz. - Queres contar-me tudo, amor meu? Talvez te faça bem falares.
-Acho que sim. - Fez uma pequena pausa. -No início, quando o conheci, ele parecia ser o meu príncipe encantado, a pessoa com quem havia sempre sonhado mas, tornou-se um pesadelo... Desde o dia em que fizemos meio ano. Tudo mudou desde que tive a ousadia, segundo as palavras dele, de ir passear só com um rapaz. Um rapaz que, por acaso, era meu amigo desde que me lembro de existir. O Raul emigrou para a Argentina e ele veio cá passar o Natal e convidou-me para ir dar uma volta, mas só avisei o Iker depois do passeio... E a partir dessa altura, comecei a conhecer um lado dele que desconhecia. Foi com 6 meses de namoro que levei o primeiro murro, e eu perdoei porque queria acreditar que ele ia mudar, porque acreditava na palavra dele e porque acima de tudo, acreditava que o amava. É verdade que não levei uma sova, mas as vezes que me agrediu, foram quanto baste para me fazer crer que nunca mais ia conseguir olhar para mais nenhum homem, porque tinha medo que me fosse agredir como ele o fazia. E quando comecei a namorar contigo, não imaginas a luta que tive entre o meu cérebro e o meu coração. Eu tinha medo, porque tu eras muçulmano e que tinha medo que fosses como ele... Li tantas histórias de raparigas que namoram com muçulmanos e tudo parecia encantador, até ao dia do casamento, em que descobrem o homem com quem verdadeiramente se casaram. - Baixou a cabeça demonstrando vergonha e até receio. - Agora parece-me um disparate mas na realidade era isto mesmo que pensava. E quando vim viver contigo percebi que estava a fazer uma tempestade num copo de água, porque tu amas-me mesmo, eu vejo-o no teu olhar. Amas-me como nunca o meu ex-namorado amou. Ele agora só me quer, porque sabe que não pode, nem vai ter.

-Amor... - Shkodran começou a admirar ainda mais a rapariga que tinha à sua frente, com quem namorava e até amava cada dia mais. Ela tinha tido a coragem de suportar durante quase três anos, agressões físicas e quiçá psicológicas, e por muito que ele a amasse não a perdoaria se ela o fizesse a si, embora tivesse quase certo que ela não o faria, embora tivessem juntos à tão pouco tempo. Mas ele também tinha muitas perguntas para lhe fazer, mas sabia que a podia magoar e era visível que ainda lhe era demasiado duro falar sobre o que se passara.

-A última vez que ele me bateu foi no dia em que te conheci, e foi também nesse dia que prometi a mim mesma que não poderia permitir mais o que se passava, e nesse mesmo dia, apareceste tu na minha vida e tudo aconteceu. - Shkodran deu-lhe um beijo no nariz.
-Amo-te.
-Eu também te amo.
-Já te passaram os enjoos?
-Hoje não tive nenhuns, mas quando tu tiveste aqueles dias fora, em estágio, passei os meus dias a vomitar, talvez sejam os nervos.
-E é normal, vomitares tanto, com a ansiedade e com os nervos?
-Nas alturas mais críticas sim, mas nunca durante tanto tempo.
-Já faz um mês que começaste a vomitar assim, acho que devias ir ao médico, nem que seja por um descargo de consciência.
-Vou fazer análises depois de amanhã.
-E se for... Aquilo que poderá ser?
-Em inglês, em valenciano ou alemão se faz favor. Posso perceber muitas línguas, mas meias palavras, não é de todo o meu forte.
-E se for uma gravidez?
-Estou com a menstruação.
-Por isso é que a tablete de chocolate desapareceu do frigorífico!
-Foi a gata que comeu!
-Que gata?! Que eu me lembre só vivemos nesta casa, eu e tu!
-Acabaste de dizer qual era a gata! - Sorriram e Shkodran beijou-a.
-E a minha gata, apetece-lhe mais alguma coisa doce ou salgada?
-Por acaso apetece-me ir passear pela cidade e ir comer um gelado.
-Morango e chocolate, certo? - Disse em espanhol e olhou para Alma, na esperança que ela com um olhar lhe dissesse se tinha estado bem ou nem por isso.

-Até já com pronúncia, estou orgulhosa! E com cada vez mais talento na cama, e mais duração, começo a pensar que me juntei a um homem perfeito!
-Juntaste? Explica-me lá essa tua ideia.
-Sabes que efetivamente e para as duas religiões, vivemos juntos, mas não somos casados, logo é um pecado. E dizem que as pessoas quando não se casam, juntam-se, como se pegassem em trapinhos e pronto, fossem viver juntos.
-Não me interpretes mal, mas nós não tomamos bem a decisão de vivermos juntos, para nossa segurança era o melhor a fazer.
-Sem querer, mas por tanto me querer, vim parar aos teus braços.
-Eu limitei-me a ficar contigo, só aproveitei o que ele de melhor tinha. - Sorriu.
-Como achas que devem estar a Catarina e o João?
-Provavelmente a fazer o que nós não estamos a fazer.
-O que estás a insinuar, Shkodran Mustafi? -Ele riu-se e ela não precisou de mais palavras. - Não seja por isso. - Beijou-o e fez o que ele tanto desejava e lhe queria dizer... Sem dizer. De seguida, foram tomar banho e vestiram-se e foram até à praia onde já conheciam uma gelataria fantástica.

-Não tens medo que alguma pessoa te reconheça?
-Porque haveria de ter medo? Até é algo bom sabes?! Reconhecerem-me por causa do meu trabalho, quer seja bom ou não.
-Mas se te virem comigo...
-Achas que já não desconfiam? Não lês os comentários às minhas fotos no Instagram?
-Eu sou tua namorada, não tua mãe para te controlar.
-As raparigas identificam amigas nas minhas fotos, outras publicam emojis com corações, outras perguntam se namoro e eu nem respondo... Por sorte, ou qualquer outro motivo, ainda ninguém me perguntou ao vivo, mas se o fizerem, vou sorrir.
-Eu não sei se estou preparada... Para assumir uma relação, assim tão... Tão pública. Não é que não te ame, mas não estou preparada para ter as atenções em cima de mim.
-Vamos dar mais algum tempo, e a partir daí logo decidimos o que fazer, vale?
-Tudo bem, mas e se te perguntarem?
-Vou-me rir e não vou responder.
-Vale. - Respondeu não muito convencida. - Fico tão orgulhosa que fales cada vez melhor a minha língua, nem imaginas!
-E tu falas cada vez pior a minha, é impressionante!
-Penso nisso quando estiver mais perto de conhecer a tua família!
-A minha mãe está ansiosa de trocar umas palavras contigo e o meu irmão Adrian pediu-me as tuas redes sociais, portanto tens de desenvolver em breve a língua.
-O teu irmão não sabe falar inglês?
-Ele é como tu, sabe falar imensas línguas! E não só, vocês os dois serão os melhores amigos, são iguazinhos, até assusta, chego a pensar que namoro com o meu próprio irmão!
-Não pudemos ser assim tão iguais! - Exclamou indignada.
-Quando o conheceres vais perceber o que digo! Ele até te pode ajudar a desenvolver o italiano que ele sabe, de quando lá tive!
-O teu irmão aprende a falar as línguas dos países por onde passaste?
-Sim... Embora o espanhol seja o que ele está a sentir mais dificuldades ficarias encantada com a cultura dele.
-Fico ansiosa de o conhecer! Ele é parecido contigo?
-Nem física, nem psicologicamente.
O empregado da gelataria chegou junto deles e anotou os seus pedidos e não demorou muito até trazê-los.

-Tu vais comer quatro bolas de gelado? Sozinha?
-Estou com fome!
-Com fome? Nós ainda nem almoçamos há duas horas!
-Não me faças sentir ainda mais gorda do que essa bola de gelado solitária!
-Já percebes porque acho que esses enjoos podem ser mais do que os nervos?
-Acredita... - Alma deixou cair a colher de gelado e ficou boquiaberta a olhar para a frente.
-O que se passou?! Alma? - Tentou abanar-lhe a mão e só depois olhou para trás das suas costas e viu quem lhe fazia temer pela sua segurança e de Alma, Iker, aproximar-se dele mas Shkodran não se deixou calar e ficar sossegado, levantou-se e aproximou-se do rapaz. - Não achas que já chega? Para de tornar a nossa vida um inferno de uma vez por todas! Ela está comigo e é comigo que quer estar!
-Não sei do que falas! - Argumentou como se fosse de todo inocente o seu passeio enquanto o recém-casal ali estava.

-Sabes perfeitamente!
-Aquela rapariga ali é minha, e nem tu, nem ninguém ma pode e vai roubar!
-Se tu alguma vez a tivesses amado, nunca lhe tinhas levantado um dedo que fosse!
-Não sei do que falas, nunca a agredi!
Se Shkodran não fosse uma pessoa tão calma e bem-disposta, poderia estar perfeitamente a agredir Iker naquele momento, pensara Alma.
-Simplesmente desaparece sim? A polícia já sabe o que andas a fazer... - Sugeriu.
-Já te disse que não faço ideia do que falas! Estava simplesmente a passear junto à praia num bonito dia de sol!
-Também tiveste acidentalmente numa série de sítios onde estivemos? Mentaliza-te que a Alma está comigo agora porque não soubeste simplesmente cuidar dela!
-Não sabes com quem te meteste, rapazinho. - Ameaçou Iker.
-Acredita que tu também não sabes. - Respondeu sem dar o braço a torcer. - Mas se voltas a aproximar-te daquela rapariga, vais saber da pior forma!
Dito isto afastou-se de Iker e voltou a sentar-se na mesa da esplanada com Alma e viram-no a afastar-se.
-O que lhe disseste?
-Nada de mal, não te preocupes.
-Ele é louco... Tenho medo do que te possa fazer.
-Nada me vai acontecer e a ti também não. - Disse, embora não tivesse muito convencido. Alma com os nervos devorou ainda mais rápido o seu gelado.
-Vais comer a tua bola de gelado?
-Não consigo... Com os nervos.
-Posso? - Respondeu sorrindo. Os nervos davam-lhe ainda mais fome...

-Perdi o apetite. Estás à vontade.
-Queres-te ir embora? - Disse colocando um pouco de gelado na boca.
-Não vou deixar que ele nos estrague esta tarde, vale?
-Tu tiveste um enorme controlo sobre ti... Admiro-te por isso.
-Acredita que dentro de mim, tudo me pedia para o agredir e ele merecia-o.
-Shkodran, tu não és violento.
-Eu sou contra a violência! - Afirmou convicto. - Mas ele puxa de mim, o meu lado mais animal!
-Eu pensava que era eu que te despertava os teus lados animalescos todos! - Respondeu Alma tentando mudar o ambiente e aliviar o momento.
-Estou um verdadeiro leão! - Afirmou entrando na brincadeira. - Mas tu já acabaste o gelado?!
-Sim! - Sorriu como uma criança brincalhona. - Logo fazemos uma hora de passadeira, prometo!
-Fazemos? Eu já cumpri o meu objetivo físico de hoje!
-Então estás a insinuar que logo à noite ficas a pão e água! - Piscou-lhe o olho.
-Não é nada disso...
-Está decidido! - Sorriu e deu-lhe um beijo rápido nos lábios. -Eu também te amo!
Foram até ao carro e seguiram caminho até à outra ponta da cidade, a ouvir música e até a conversarem entre si.
-Recebi uma proposta, amor!
-Que proposta?! Tu ainda há pouco tempo chegaste aqui e nem estamos em época de transferências!
-Não é dessas propostas! - Respondeu animado. -Eu conheço um músico alemão, aliás é meu amigo há algum tempo e ele lançou uma música recentemente e queria que eu entrasse no videoclipe, mas eu não vou aceitar sem antes falar contigo.

-Já ouviste a música?
-Ele mandou a música, mas ainda não a ouvi. Só a queria ouvir contigo.
-E tens a música contigo ou assim?
-Claro! Abre aí o porta-luvas e põe.
Ela fez o que ele lhe pedira e começaram a ouvir a música.

Es gab einmal Tage
An denen ich sagte du bist mein
An denen ich dachte es halt ewig
Und jetzt sitzt du da und weinst
Es tut mir so leid
Du hättest es nicht leicht
Im Leben gehabt und ich weiß
Ich hab dich niemals erreicht
[2x] [Hook]
Ich weiß es war Liebe
Doch ich lass dich frei
Kannst du mir vergeben in dieser Einsamkeit?
Und wenn am Morgen dann die Sonne
In mein Zimmer scheint
Lieg ich noch da wie am Abend
Und denke an die Zeit
An die Zeit mit dir
Es gab nichts außer uns
Es ist So viel passiert
Ich hab nur einen Wunsch
[2x] [Hook]”

-Adoro a música! Acho que devias sem dúvida entrar no videoclipe!
-E percebeste a letra?
-Claro que sim! Sou uma autêntica craque a falar alemão.
-Diz-me a verdade.
-Entendi a maior parte, mas ouve algumas palavras que me escaparam.
-Mas existe uma questão maior... - Disse a medo. - Um pequeno ponto que tens de saber antes de aceitar.
-Às vezes tens um receio de falar comigo parece que te faço alguma coisa de mal, juro! - Disse brincando com ele. - Mas diz-me lá.
-Não é nada disso, mas eu ainda não sei até que ponto vão os teus ciúmes.
-Já não estou a gostar da brincadeira. - Disse tentando fingir-se amuada mas sabendo que ele não estava a acreditar no ar que ela fazia, até porque depois começou a rir-se.
-Se eu aceitar entrar no videoclipe, quem vai contracenar comigo vai ser uma modelo italiana, que eu, por acaso, também conheço...
-Bonita?
-Ao teu lado, todas as raparigas são feias. - Fez-lhe uma pequena carícia na face.
-Bela forma de me engraxares, não haja dúvida! Por acaso não vai haver beijos, nem carícias, nem nada disso, pois não? Ainda não me sinto preparada para ver isso... Mesmo que seja num videoclipe.
-Se tivesse, eu nem aceitaria, apesar de ser algo profissional, não deixa de ser traição e eu sou-te completamente fiel.

-Não respondeste à minha questão se ela era bonita ou não. - Insistiu.
-Sim, quando a conheci achei-a uma rapariga bastante bonita mas não me desperta interesse.
-Porque me tens a mim?
-Sim, e porque nenhuma rapariga é tão fascinante quanto tu. - Alma inclinou-se e deu-lhe um beijo na face.
-Convenceste-me com este teu lado... Direito, poderosamente sexy!
-Adoras-me!
-Isso já não é novidade!

Passado alguns minutos, chegaram a casa e ela foi a correr até à casa de banho onde acabou por vomitar todo o gelado e mais alguma coisa que tinha comido naquele dia.

-O que disseste ao Iker?
Perguntou depois de uma hora a vomitar e quase sem energias para se levantar da beira da sanita onde estava sentada.
-Alma, não penses nisso... Estás assim por causa disso.

A rapariga desmaiou, completamente esgotada de tudo o que vomitara e das forças que tinha gasto naquela última hora e ele correu o curto trajeto que os separava e abraçou-a e chorou.

-Eu amo-te meu amor. Por favor! - Chorava e beijava-lhe a face numa tentativa de resposta. - Alma! Alma, por favor! Não me deixes!
Passado pouco mais de um minuto, a rapariga despertou com as lágrimas dele a baterem-lhe nas bochechas.
-Amor? Que se passou?
-Desmaiaste. - Abraçou-a fortemente. - Eu vou chamar uma ambulância.
-Não é preciso. - Afirmou tentando sentar-se. - Só quero descansar.
-Mas era melhor ires para o hospital para ficares sobre observação pelo menos esta noite.
-Só quero tomar um banho e descansar. - Tentou levantar-se mas Shkodran não a deixou.
-Eu vou pegar em ti, dar-te banho e deitar-te na nossa cama, está bem?
-Shkodran, eu estou bem.
-Por favor. - Pediu e ela aceitou a ordem dele.

Shkodran pegou na rapariga ao colo e deu-lhe um banho cuidado e reconfortante, de seguida, o rapaz levou a namorada até ao quarto e cuidadosamente vestiu-lhe a roupa interior e uma t-shirt sua por cima, pousou-a vagarosamente debaixo das mantas e deitou-se ao lado dela, bem junto dela e tentou reconfortá-la.
-Eu disse-te que hoje não tinhas festa. - Disse ela brincando com ele.
-Descansa amor.
-Amo-te.
-E eu a ti.

Passado algumas horas, Alma acordou... Com pesadelos. Iker seguia-a para todo o lado e ela acabava por morrer nas mãos dele. Acordou a chorar e Shkodran limpou-lhe as lágrimas e tentou reconfortá-la até ela adormecer. Por muito que Alma tentasse fingir que estava tudo bem e conseguia lidar com a perseguição de Iker, ela simplesmente não conseguia. Conseguia fingir durante umas horas, mas depois voltava a cair na dura realidade e simplesmente não conseguia lidar com ela. Por sorte, Shkodran tinha uma força incrível e conseguia aguentar o “barco” pelos dois.

(Passado alguns dias)
Depois de fazer as análises e dos enjoos finalmente terem começado a abrandar, chegou a altura de saber os resultados das análises... Embora Shkodran tivesse dito que queria ir com ela, o treino era à hora da consulta e ele não podia ir e ela optou por ir sozinha, embora o seu namorado tivesse insistido que ela fosse com a irmã ou a prima. Depois de esperar durante vários minutos na sala de espera, acabou por ser chamada até ao consultório.
-Depois de vermos as suas análises, pudemos perceber a origem do pequeno “problema”, se é que lhe pudemos chamar assim.
-Não sei se estou a entender, doutor.
-As análises apontam para uma gravidez de cerca de seis semanas.

Como vai reagir Alma a esta gravidez?
Como vai contar a Shkodran? Como irá afetar a relação deles?