Capítulo 3: "Senão o fizer sei que me vou arrepender..."

“Tenía el alma desecha por dentro (Tinha a alma desfeita por dentro)
Por un amor que me dejó seco (Por um amor que me deixou seco)
Tardé en curar la herida que me hizo bajo mi pecho (Demorei para curar a ferida que derrubou o meu peito)
Estaba indefenso (Estava indefeso)
Pero llegaste tú lanzándome un beso (Mas tu vieste dar-me um beijo)
Agitaste os sentidos de mi cuerpo (E agitaste com os sentidos do meu corpo)
Fundiste tus labios con la punta de todos mis dedos (Fundiste os teus lábios com a ponta de todos os meus dedos)”

-Mas quem raio é que me está a acordar a esta hora da manhã? - Perguntou a si mesma, em português, enquanto abri-a os olhos para ver quem lhe telefonara. -Que queres, Isabel?

-Em espanhol, Catarina! Que vício, não estás mais em Portugal!

-Mas sou portuguesa.

-E espanhola! E não acredito que os avôs ainda não te tivessem acordado, já são 10:30 horas!

-Portanto são 9:30 horas em Portugal, logo posso voltar a dormir que é cedo!

-E pensas que te acordei para ouvir-te falar dos “nuestros hermanos”, desengana-te, foi só mesmo para te dizer para veres o Instagram do teu novo amigo Gayà!

-Já te disse que ele para mim não é o Gayà, é o José!

-Como queiras, vai lá ver e depois liga-me.

-Está bem. Até já, beijos! - Dito isto desligou a chamada e pousou o telemóvel em cima da mesa de cabeceira e tentou voltar a adormecer mas quando estava quase a consegui-lo, recebeu novamente uma chamada. - Não Isabel, ainda não tive tempo de ir ver a foto do meu amigo!

-Buenos dias cariño! - Catarina deu um salto na cama assustada com aquela voz logo pela manhã, tinha atendido instintivamente a pensar que seria novamente a sua prima a ligar-lhe. - Não viste a fotografia de quem?

-Tua... A minha prima acordou-me há cinco minutos para ver a fotografia que publicaste no Instagram, mas eu não lhe liguei nenhuma e virei-me para o outro lado da cama para voltar a dormir.

-Mas queres saber o que publiquei para voltares a dormir novamente?

-Se quiseres dizer-me, ficava-te agradecida e quem sabe não te ensinava a falar português.

-Partilhei uma fotografia dos nossos gelados de Nutella ontem.

-Rezo para que o teu treinador ou o meu avô não vejam senão vão reclamar.

-Também tenho direito a comer alguns hidratos de carbono, faz parte da dieta do clube que me foi imposta.

-E também entretanto perdes essas calorias nos treinos.

-Para o qual vou agora... Liguei-te agora só para me desejares boa sorte para o treino e para te desejar um bom dia!

-Que querido, obrigada José Peña!

-De nada Catarina Lopéz! - Respondeu e ambos sorriram. - Queres combinar alguma coisa para amanhã?

-Gostava muito, mas tenho de ver hoje durante o dia se alguém tem planos para mim, posso ligar-te durante o dia?

-Estás à vontade, estou sempre disponível para ti!

-Obrigada Peña!

-De nada Lopéz! - Sorriram, as brincadeiras entre ambos fluíam com uma enorme facilidade. - Tenho mesmo de ir, beijos!

-Beijinhos, até logo! - Dito isto desligaram a chamada e Catarina foi até ao Instagram ver a fotografia de quem já tanto havia falado e nada lera.

“Quem diria que uma companhia portuguesa saberia tão bem...”

-Se for comentar a fotografia, toda a gente vai perceber que sou eu! Mas não perde pela demora, vou mudar o meu nome para Catarina Lopéz! - Anunciou a si mesma. Foi até ao Instagram e mudou o seu nome e depois disso comentou:

“@jose_gaya Essa rapariga deve ser mesmo uma sortuda! ;p”

Assim que comentou, alterou novamente o seu nome e pousou o telemóvel na sua mesa de cabeceira e adormeceu, mas apenas descansou mais dez minutos, porque a avó foi acordá-la novamente:

-Acorda meu anjo. - Pediu a avó sentando-se na sua cama e passando a mão pela bochecha da neta. - Hoje temos um longo dia pela frente, tens de te levantar.

-Adormeci há uns minutos, se tanto avó, a Isabel ligou-me para dizer para ir ao Instagram de um amigo meu e ele também me ligou.

-E de onde é que a tua prima conhece esse teu amigo, isto claro senão é indiscrição saber.

-Claro que não é, avó! - Sorriu. - Ontem enquanto estive no Mestalla conheci o José e depois as primas e o Iker foram lá ter connosco e fomos comer um gelado.

-Vocês não tinham combinado ir sair?

-E queríamos, mas o Valência não deixa o José sair à noite, então fomos só comer um gelado e voltamos.

-Mas que é que o José tem haver com o Valência?

-Ele chama-se José Gayà, e joga na equipa principal do Valência.

-Aposto que o teu avô vai adorar sabê-lo.

-Ele já sabe, ontem cruzaram-se e aposto que ele já está a tentar fazer um casalinho.

-O teu avô nunca vai mudar! - Confessou e ambas sorriram. - Tens alguma foto do rapaz que possa ver?

-Tenho o Instagram dele, deve por lá ter umas fotos. - Pegou no telemóvel e mostrou umas fotografias do rapaz à avó.

-O rapaz é bastante bonitinho Catarina, mas o que mais importa é que tenha um coração bonito e te faça feliz.

-Somos amigos avó, vim para Valência para estudar e estar próxima da minha família, não para ter namorados.

-Não quero que feches o teu coração ao amor princesa, se o rapaz certo aparecer dá-lhe uma oportunidade.

-Vou dar avó, mas não tenciono procurá-lo.

-Mas agora vais-te é enfiar no duche que quando aqui chegares tens uma roupinho para vestires em cima da cama!

-Está bem, obrigada avó! - Deu-lhe um beijo na bochecha e foi até à casa de banho do seu quarto e ia ligar o rádio para ouvir música durante o banho, mas depois de o fazer teve curiosidade em ir ao telemóvel e teve uma surpresa: “choviam” pedidos para a seguirem, identificação numa foto e várias mensagens que havia recebido no Instagram direto. Decidiu apenas ver onde tinha sido identificada, José tinha respondido ao seu comentário:

“@catarinailmorim És realmente uma sortuda, portuguesa!”

-Bonito, agora as fãs dele não me vão largar! - Pensou em voz alta, ligou a música e entrou no banho, afastando-se do telemóvel. Acabou por evitar demorar-se, até porque queria ir passear e estava ansiosa por saber qual era a surpresa que os avós lhe haviam preparado. Assim que entrou no quarto reparou na roupa e no recado que a avó lhe havia deixado:

“Abri a tua mala para vestires algo teu, desculpa, não quis coscuvilhar. Gostei bastante deste vestido! Beijinhos e até já! Vê lá se te despachas a pôr-te pronta!”

Catarina sorriu... Ironia do destino. A avó tinha-lhe escolhido o único vestido do Benfica que trouxera, e ela nem imaginara. O avô não iria gostar de saber, mas porque teria de saber? Foi até à mesa do pequeno-almoço onde o avô já comia a sua refeição e sorriu-lhe.

-Buenos dias mi chica. - Catarina sorriu-lhe enquanto dava a primeira dentada no croissant. -Gosto muito desse vestido, embora preferia que fosse um pouco mais comprido para não ter de levar com os rapazes a babarem-se para ti, principalmente o Gayà, só por ser do Valência não faz dele mais que os outros!

-Mas tu já começas logo de manhã? Deixa a tua neta comer sossegada, ainda se engasga com tanto disparate! E toca a despachar que hoje temos um dia longo pela frente!

-Porque é que me parece que têm mais que uma surpresa para mim hoje?

-Quem sabe... - Denunciou o avô.

Quando terminaram a relação, chegou a pessoa que ajudava a manter a arrumação em casa, a quem os avós muito orgulhosamente apresentaram a neta, e que se voluntariou logo de seguida a limpar a casa para puderem ir passear por Valência. Entraram no carro e seguiram o caminho até perto do Mestalla, reconhecia aquele caminho do dia seguinte, sorriu, o avô mantinha a sua convicção que iria apresentara-lhe tudo do clube, mas ao contrário do que esperava não foram para as garagens do estádio, mas sim nas garagens de um prédio vizinho ao estádio.

-Para onde estamos a ir, avós?

-Para a tua nova casa, meu bem. - Anunciou o avô.

-Como assim nova casa? - Perguntou a saírem do carro e indo em direção ao elevador. Subiram até ao primeiro andar onde era a pequena casa.

-Eu e a tua avó decidimos arranjar-te esta casinha só para ti, não é muito grande mas achamos que chegava para ti, para teres o teu espaço e a tua privacidade, mas claro que terás sempre o teu quartinho lá em casa disponível para ti.

-Desculpem mas não posso simplesmente aceitar... É demasiado. - Respondeu tocada. - Vocês deram-me um carro, ofereceram-me uma casa, é demasiado para mim.

-É apenas um T0, meu amor, não é nada de especial. Também oferecemos à tua prima Isabel e vamos oferecer à Alma e à Camila quando elas fizerem a maioridade, é a nossa pequena prenda. O carro digamos que foi uma prendinha pelos anos de distância e por teres decidido vires para cá estudar.

-Mas eu não precisava de tanto... Eu podia perfeitamente andar de transportes e o quarto em vossa casa é o quanto me baste, aliás até é demais para aquilo que preciso, mas prometo que vou arranjar um trabalhinho para pagar as contas de casa.

-Não precisas de arranjar trabalho nenhum, desfruta da faculdade e da tua independência, isso é a melhor paga que podes dar a mim e ao teu avô. - Catarina abraçou os avós, emocionada pelo gesto e pelo que lhe haviam feito. Não era apenas os bens materiais mas o carinho que lhe deram em apenas dois dias e isso tocara-lhe no coração.

-Obrigada! - Depositou um beijo na bochecha de cada um e foi até à janela da sua nova casa e deparou-se com a bonita vista sobre o Mestalla e não conseguiu esconder o sorriso, de certeza que tinha sido o avô a escolher a casa, mas a decoração tinha sido apenas a avó, estava certa. Ouviu novamente o telemóvel a tocar e era a sua prima... Tinha-se esquecido de lhe ligar.

“Estas semanas sin verte (Estas semanas sem ver-te)

Me parecieron años (Pareciam-me anos)

Tanto te quise besar (Tanto te quis beijar)

que me duelen los labios (Que me doem os lábios)

Mira que el miedo nos hizo (Vê o que o medo nos fez)

cometer estupideces (Cometer estupidezes)

Nos dejo sordos y ciegos (Deixou-nos surdos e cegos)

Tantas veces (Tantas vezes)

Y un día después de la tormenta (E um dia depois da tempestade)

Cuando menos piensas sale el sol (Quando menos pensas, sai o sol)

De tanto sumar pierdes la cuenta (De tanto somar perdes a conta)

Porque uno y uno no siempre son dos (Porque um mais um nem sempre são dois)

Cuando menos piensas sale el sol (Quando menos, pensas sai o sol)”

Esperou para ouvir mais um pouco da canção da sua cantora predileta para atender a chamada e quando atendeu respondeu logo:

-Desculpa mas ainda não consegui ligar-te.

-Já me trocaste pelo Gayà, já vi!

-José! - Repreendeu mais uma vez. -Não sei se viste mas já comentei a foto e ele respondeu-me e não troquei coisa alguma, tu és minha prima, não te trocaria!

-Dizes isso agora, mas deixa só o rapaz declarar-se a ti que depois falamos.

-Ele declara-se a mim e o avô declara amor eterno ao Real Madrid. - O avô que ouvia a neta a falar acabou por fazer uma careta feia. - Mas diz-me priminha querida!

-Os avôs já te mostrou a surpresa?

-Tu sabias de tudo Isabel Maria?

-Não me chames pelos dois nomes que até me dói! - Repreendeu também ela. -Claro que sim, a casa ao lado é a minha.

-Diz-me que não foste tu que escolheste esta vista.

-Não, o avô nem me deu hipótese, disse que era a única condição que tinha.

-Nunca vai mudar ele, mas ainda bem.

-Portuguesa, não queres convidar o teu amigo para a festa daqui a dois dias?

-E de certeza que tu e ele não pegam fogo?

-Se ele não me provocar eu calo-me, agora se ele me provocar não falo por mim.

-Vocês picam-se mutuamente, não negues!

-Tenho lá culpa que tenhas conhecido o valenciano mais infantil que existe.

-Quanto mais me bates mais gosto de ti. - Respondeu brincando com ela. - Tenho mesmo de ir? Não me sinto com disposição para socializar com uma mão cheia de espanhóis e sinceramente parece-me que me esperam uns dias demasiado movimentados e à noite só quero descansar.

-Mas não o vais fazer, eu até estou a dizer que vou fazer um esforço por causa do teu amiguinho e é assim que me tratas?

-Pronto priminha, eu ligo-lhe e já te digo alguma coisa!

-E agradece-lhe por me ter seguido no Instagram, eu dei-lhe logo unfollow.

-Eu digo, descansa, beijinho e até já!

Catarina desligou a chamada e avisou os avós que iria fazer mais uma chamada, que impacientemente esperaram.

-Isto já era tudo saudades, portuguesa?

-Não me faças rir, José. - O avô olhou-a e rapidamente entendeu quem era. - Ainda bem que não estás aqui comigo senão já tinhas sido fuzilado com o olhar.

-Diz-me por favor que não foi o teu avô, ainda quero vingar no Valência, Catarina!

-Tu gastas-me o nome, José Luís!

-Desculpa guapa, mas confessa que até gostas quando te chamo de minha portuguesa... - Sugeriu e a rapariga ficou corada.

-Confesso que gosto, mas também sou a tua portuguesa porque não conheces mais nenhuma!

-Eu estava a tentar ser simpático e querido para ti, mas tu nem me dás hipótese!

-Sabes que nem me fazes suar, até comes o meu pó, espanhol! - Referira-se há noite anterior onde conseguira marcar um golo na baliza que ele tentava defender. - Mas vamos diretos ao assunto, a Isabel faz os 18 anos daqui a dois dias e quer convidar-te para o aniversário dela.

-Aquele macaco faz 18 anos?! Eu dava-lhe no máximo 14!

-Daqui a um mês chegam ao pé de mim e dizem que namoram, estou mesmo a ver.

-Mais rapidamente ia Valência abaixo que eu namorava com ela acredita, além do mais os meus interesses passam por outros locais... - Deixou a dúvida no ar e Catarina não poderia negar que ele mexia consigo, sentia-se completamente atraída por ele e quanto mais falavam mais o sentimento aumentava.

-Mas aceitas ir à festa ou não? Ela vai organizar um jantar e depois ficamos a ver uns filmes e ficamos a dormir em casa dela que tem bastante espaço.

-Desculpa mas não posso mesmo... Hoje chega uma prima minha e vai ficar cá cinco dias, não posso simplesmente deixá-la para ir a uma festa.

-E porque não a levas?

-Ela não se ia sentir confortável, acredita, ela é o oposto disso.

-Em Portugal também não sai-a para me divertir mas em Valência as minhas primas não me deixam escapar. E hoje tens onde ir jantar hoje?

-Por acaso a minha prima chega à hora do jantar, desculpa princesa, mas queres combinar algo para hoje à tarde?

-Não posso, já combinei ir passear com os meus avós, desculpa.

-Então temos de arranjar um tempinho para estarmos juntos, quero apresentar-te a minha casa.

-E eu quero apresentar-te as minhas casas!

-Casas?

-Sim, depois explico-te. Mas vou mandar-te uma mensagem com a nova morada caso consigas aparecer no final da tarde que eu devo estar por cá.

-Fico-te agradecido. Mas vais estar sozinha?

-Sim, conto que sim, porquê?

-Para saber se a Isabel vai estar ou não.

-Está descansado que só sou eu. Mas vou desligar, beijinhos espanhol!

-Beijinhos portuguesa! - Dito isto desligaram a chamada.

-Vamos passear então meu bem? - Perguntou o avô, tendo em comum esta característica com a neta, fugir à conversa quando lhe era incómodo.

Passearam durante toda a tarde e divertiram-se bastante, mas contudo não tiveram tempo de verem todas as atrações, ficaram apenas pelo Oceanográphic e Mercat Central, até porque Catarina ainda tinha de levar alguns dos seus pertences para a casa nova e arrumá-los, então optou por ir descansar cedo, para ir jantar a casa dos avós com as suas primas e restante família. Depois de arrumar algumas das suas roupas no armário, vestiu o pijama e decidiu ir deitar-se, até porque se sentia cansada, mas não conseguia... Por mais minutos que passassem, o cansaço não acompanhava o sono, talvez fosse o sexto sentido à espera da visita de José, mas ela nem tinha a certeza que ele viria, e aquela roupa era demasiado curta para ele vê-la naqueles modos. Ouviu o toque da campainha e decidiu levantar-se logo e ir até à porta, espreitou e sorriu. Abriu a porta e deixou-o passar:

-Já tinhas saudades minhas?

-Portuguesa. - Catarina encostou-se à parede e o rapaz fechou a porta e aproximou-se dela. - Sinto-me tremendamente atraído por ti desde que te vi e acredita que senão o fizer sei que me vou arrepender. - Ela nem teve de responder porque sentiu os lábios dele embaterem contra o seu, apanhando-a desprevenida.

Será que Catarina vai retribuir o beijo?

Como vai reagir? E será que o sentimento é recíproco?