sábado, 26 de dezembro de 2015

Capítulo 7 “Felizes coincidências”


Antes de Alma abrir a porta já se ouvia a música animada e alta a tocar, música típica de uma festa, abriram a porta e ficaram completamente surpresos com a quantidade de pessoas que conseguia caber naquela casa... Todos eles estavam ali para a festa de aniversário de Isabel? Será que ela considerava amigos ou eram apenas conhecidos? Independentemente do que fosse o número era realmente surpreendente. Com alguma dificuldade conseguiram chegar até à cozinha onde Isabel tratava dos preparativos para o jantar, atarefada, e acabaram por ajudá-la, afinal toda a ajuda era bem-vinda. Mais tarde partilharam a comida pelas várias mesas disponíveis pela casa para ninguém se queixar que faltava comida e bebida, haveria comida em quantidade mais que suficiente para todas as pessoas ficarem com a fome e sede saciada. Mas com tanto trabalho não conseguiram parar um único minuto para se servirem, deixaram as pessoas servirem-se naturalmente e certificarem-se que tudo corria bem, quando finalmente conseguiram parar por breves segundos para comer alguma coisa, Catarina ouviu a porta bater e teve de ir abrir... Seria mais algum convidado?

Catarina fora a única a ouvi-la e decidiu que apesar do seu ar de cansaço e do cabelo mal-apanhado ir abrir a porta... E ficou sem qualquer tipo de reação. Não sabia bem o que dizer, e muito menos sabia o que sentia. Não acreditava em amor à primeira vista, mas não era apenas e só atração. As borboletas no estômago apoderavam-se, os nervos de não saber o que dizer, como o dizer e o que fazer. Sentia-se a fazer figura de idiota, mas não conseguia fazer nada mais a não ser admirar aquele rapaz:

-Hola! - Disse o rapaz num castelhano envergonhado. - Como te llamas?
-Catarina y tu?
-João.
-Português?
Pela primeira vez falara em português, João era nome português e decidiu arriscar.
-Sim e tu?
-Sim, na verdade sou portuguesa e espanhola.
-A sério? Mas sempre viveste aqui?
-Não, mudei-me para cá à uns dias, vim fazer a faculdade, e tu?
-Era jogador do Benfica mas recebi uma proposta por Valência e acabei para aceitar e vir.
-A sério? O meu avô trabalha no departamento financeiro!
-Que máximo! O mundo consegue ser mesmo pequeno...
-Podes crer!
-Vieste ao aniversário da minha prima Isabel?
-Sim... Moro aqui em frente e a tua prima convidou-me para, pelo menos vir cantar os parabéns. Diz-me que cheguei a tempo, por favor.
-Sim, chegaste, está descansado! - Trocaram um sorriso cúmplice. - Queres entrar?
-Pudemos cantar os parabéns e depois pudemos ir para minha casa para conversarmos mais um pouco? Que a música está alta, é para ficarmos mais à vontade.
-Então vamos já embora que eles nem dão pela nossa falta.
-Tens a certeza? Afinal é o aniversário da tua prima.
-Eles não dão por nenhum de nós, se perguntarem dizemos-lhe que sempre cá estivemos, que te parece?
-Uma ótima ideia!

Catarina fechou a porta de casa das primas e seguiu João até à casa em frente, onde ele abriu a porta de casa e seguiu-o até à sala.

-Queres beber ou comer qualquer coisa? Não sou o mais famoso dos cozinheiros, mas dá para desenrascar.
-Deixa estar, obrigada.
-Fico contente por falar a minha língua por aqui, tenho alguns colegas portugueses mas nos treinos falamos sempre castelhano.
-Eu também me sinto bem por te ter encontrado e por puder falar a minha língua por cá.
-Obrigada.

Os sorrisos trocados eram uma constante, pareciam conhecer-se à anos e davam-se naturalmente bem.

-Quantos anos tens?
-Vinte, e tu?
-Dezoito.
-A sério? Tens cara de menina mas pensei que fosses mais velha, talvez da minha idade.
-Fiz dezoito anos em Maio.
-A sério? Em que dia?
-Dia vinte e sete, porquê?
-É exatamente no mesmo dia que eu!! - Exclamou entusiasmado.
-Que coincidência!

Sorriram em conjunto, será que o destino tentava uni-los de forma tão clara?

-Tens família por cá?
-Não, por enquanto vim sozinho para tratar de tudo, depois vem a minha família passar uns dias, mas tenho-me sentido sozinho... País novo, pessoas novas, língua nova, clube diferente, e tudo completamente diferente e estou a adaptar-me.
-Mas agora não estás mais sozinho, estarei sempre aqui para ti.
-Obrigada do fundo do meu coração. Sei que não o dizes apenas por seres simpática mas porque o sentes, eu vejo-o no teu olhar.

Catarina corou, sentia-se tremendamente atraída por ele, mas de forma muito diferente do que sentia por José, existia também uma atração física, pela sua beleza e pelo seu charme natural, mas também pela sua personalidade, apesar de mal o conhecer, o que conhecia adorava e estava ansiosa por saber mais, e gostava tanto de conversar com ele.

-Acredita que o digo de coração. E vou ajudar-te a falares esta língua num instante.
-Obrigada por tudo.

Depois de dizer isto pousou as mãos quentes sobre as pequenas e frias mãos dela que se arrepiou e não conseguiu escondê-lo.

-Desculpa. Não foi por intenção.

A rapariga tinha-se arrepiado dos pés à cabeça, não porque desejava o seu toque, mas apenas porque ainda não tinha sentido o toque da sua pele e a diferença de temperaturas e a ansiedade falara mais alto, mas como poderia explicar-lhe isto, era preferível deixá-lo pensar que fora por qualquer outro motivo. Ele não podia mexer assim tanto com ela, simplesmente não podia. Ainda mal se conheciam. Se o dissesse arriscava-se a perdê-lo e era tudo menos o que queria, por isso decidiu mudar o rumo da conversa.

-Então e tens irmãos?
-Sim, mais novo, o Pedro, temos diferença de sete anos e tu?
-Também sou irmã mais velha. Eu e a Camila temos um aninho de diferença.
-Ficou em Lisboa com os teus pais?
-Com a minha mãe na verdade. - Corrigiu. - O meu pai já faleceu.
-Desculpa,não sabia...
-Não tens de pedir desculpa, não sabias, nem tinhas como saber. Estou a adorar falar contigo, a conversa tem fluido naturalmente e estou a adorar conhecer-te.
-Eu não sei mesmo como lidar com a morte... - Confessou. - Até porque a minha mãe também faleceu recentemente numa acidente de viação.
-Sinto muito.

Catarina queria abraçá-lo e chorar nos seus braços. Doía, todos os dias doía, era uma dor que a consumia por mais anos que passassem, e iria doer sempre. Ao contrário do que sempre lhe disseram e ensinaram, não aprendera a lidar com a dor com o tempo, nem aceitá-la. Era uma ferida aberta mas aprendera a sofrê-la em silêncio. Aprendera a fingir que nada se passava e a sorrir mesmo quando o coração parecia desfeito em milhões de pequenos pedaços.

-Sabes o que custa mais? Saber que nunca mais vou ver aquele sorriso, ouvir a mesma história que ele me contava sempre, faz-me dar outro valor à vida e viver cada dia como se fosse o último dia.
João não resistiu e começou a chorar, Catarina sentiu o coração apertado e decidiu dar-lhe um abraço e um pequeno beijo na testa.

-Desculpa. Desculpa do fundo do meu coração, eu... Eu... Não queria deixar-te assim. Não queria fazer-te chorar, nem causar-te mágoa, só quis mesmo desabafar contigo. Desculpa.

O rapaz limpou as lágrimas e tentou acalmar-se durante alguns minutos, e a rapariga decidiu respeitar o silêncio.

-Desculpa eu. Na verdade nunca tinha chorado em frente a ninguém, guardei todo o sofrimento para mim, chorava na minha almofada à noite, em silêncio e sozinho, tudo porque queria transmitir tranquilidade ao meu irmão, mas agora que estou longe dele, não resisti, desculpa.
-Mas não te faz bem guardares toda a mágoa para ti, aliás isso ainda te corroí mais, eu sei, falo por experiência própria. Senão te sentires à vontade para falar com ninguém, existe outras formas de aliviares o peso que carregas em ti, por exemplo, eu descobri que escrever era o melhor método, mas mais tarde acabei por me entregar por completo ao trabalho e à escola e nem tinha tempo de pensar nisso, mas quando parava um pouco, a dor corroía-me.
-Não sei como tiveste a força de ultrapassares tanto. No fundo tivemos que sermos fortes duas vezes, por nós e pelos nossos irmãos.
-Existem pessoas com problemas piores, aprendi a lidar com eles.
-Mas falando de coisas positivas. - Catarina notava que ainda lhe custava falar sobre a morte de um parente tão próximo e não insistiu, talvez com o tempo o fizesse falar, mas sabendo que o facto dele ter chorado quando não o tinha feito ao pé de mais ninguém, dava-lhe um sentimento de confiança e segurança. - Está uma noite tão boa, não queres aproveitar para ir dar um mergulho na piscina?
-Queres ir tomar um banho de piscina? A esta hora?
-Sim, não foste tu que disseste que temos de viver a vida como se fosse o último dia?
-Sim, fui. - Trocaram mais um sorriso cúmplice. - Mas eu nem tenho biquíni... Estou de roupa interior.
-Esqueci-me desse pequeno pormenor. Então pudemos ficar a conversar mais um pouco.
-Pudemos ir dar uns toques na bola para perto da piscina, que achas? Parto em desvantagem, visto que tu és jogador profissional e eu limito-me a ser preguiçosa profissional.
João sorriu.
-Uma excelente ideia, minha preguiçosa preferida.

João fez Catarina corar mais uma vez, e ela levantou-se do sofá com ele e foram até perto da piscina, já no elevador trocaram uma série de olhares e sorrisos, quando chegaram ao terraço, delinearam as balizas e começaram os remates à baliza. Até que a bola caiu para dentro de água, onde nenhum deles conseguia chegar e por isso, ele saltou para o interior da piscina.

-Queres companhia?
-Queres vir-me fazer companhia?

Catarina não precisou de nada mais, pousou o telemóvel e atirou-se para dentro de água, mas assim que o fez e voltou ao topo de água, João encostou-a à parede da piscina.

-João... - Disse ainda tentando voltar à respiração normalmente mas com ele encostando a si era impossível. - Eu quero mas...

Ele não a deixou falar, beijou-a. Um beijo com um misto de emoções, atração, descobrimento, conhecimento, um pouco de amor, com intensidade e com carinho, um beijo que soube a tanto e deixou tanto... Ambos queriam, mas sabiam que aquele beijo poderia significar tanto e deixar tantas dúvidas, mas mesmo assim só separaram os lábios quando o ar começava a escassear.

-Tu queres mas?
-Não posso. - Pousou a mão sobre o peito dele, impedindo-o de se aproximar mais. -É cedo, tu não me conheces, eu não te conheço, o que sinto por ti proíbe-me de seres mais que um caso de uma noite, mas se o fosses ias deixar-me marca. Eu quero tempo, quero espaço, não quero precipitar nada, e tu queres ir muito rápido, eu não consigo.
-Existe outra pessoa na tua vida não existe?

Catarina ficou atrapalhada, não existia ninguém que lhe despertasse tantas emoções como João, mas existiam duas pessoas que lhe despertavam outros sentimentos e ela não queria mais problemas, nem confusões para o seu pobre coração.

-Não mas...
-Porquê os mas, as reticências e as dúvidas, deixa-me beijar-te mais uma vez para acalmar essas vozinhas na tua cabeça.
-Eu queria mesmo beijar-te mas...
Voltou a interrompê-la e a unir os lábios. Um beijo diferente do anterior, mais calmo, mas de cortar a respiração.
-Tens de parar de me beijar enquanto estou a tentar falar! Assim não é justo, perco os meus argumentos todos.
-Podes continuar com o que estavas a dizer...
Sugeriu olhando-a olhos nos olhos e fazendo-a arrepiar-se por completo e esquecendo-se do que ia dizer.

-Não acredito em amores à primeira vista.
-Nem eu.
-O que sinto por ti é mais intenso que um caso de uma noite, mas também não é uma amizade, mas ainda não é amor.
-Ainda não é? O que queres dizer com isso?
-Que temos de ir com calma, por favor. - Pediu. - E isso significa que não me podes beijar quando queres só para calares os meus medos, os meus receios e as minhas dúvidas, isso não é justo.
-Existe algo no teu passado que não te permite olhar para o futuro diretamente, eu percebo isso, e gostava que falasses comigo sobre isso, por favor, como falamos de tantas outras coisas, e nos abrimos por completo, sem medo.
-Não posso. Posso falar sobre tudo o que quiseres falar, mas não sobre o meu passado romântico, ainda é cedo.
-Eu respeito o teu espaço e o teu pedido, mas também quero sentir que tenho direito a uma oportunidade, ou pelo menos a entender o que sentimos um pelo outro.
-Vamos dar tempo ao tempo, começar a dar pequenos passos, pode ser?
-Os seus desejos são ordens. - Pegou na sua mão e beijou-a. - Queres sair da água?
-Sim, mas vais tu primeiro, e depois temos de ir tomar um banho de água quente para não ficarmos doentes.
-Doentes? Com o calor que está?
-Não consigo tomar banho de água fria.
Ele sorriu.
-Eu dizia-te para tomares banho em minha casa e ficares por lá, mas não tenho roupa para ti.
-Podemos ir para minha casa, até porque nem a conheces.
-Moras sozinha? Pensei que morasses com alguém da tua família.
-Tenho um quarto em casa dos meus avôs, mas também tenho um T0 só para mim à beira do Mestalla.
-A sério? E foste tu que o compraste?
-Foi prenda dos meus avós pela maioridade. Não é uma casa muito grande mas dá bem para mim.
-Então deixa-me só ir tomar um banho a minha casa e mudar de roupa e já vamos jantar alguma coisa para tua casa.
-Tens fome?
-A diferença de horário mata-me, mesmo que seja uma hora dá cabo de mim.
-Têm uma rotina diferente da nossa, existe a “siesta”, almoçam e jantam mais tarde, compreendo-te e bem.
-Podes querer, mas como tenho estado por casa sozinho mantenho a rotina de Portugal, mas quando me junto com a equipa sinto logo, o que vale é que tenho colegas portugueses e sempre vou mantendo alguns hábitos por lá.
-Eu sei que tens, sou mulher mas dou uns toques de futebol. O teu treinador chama-se Nuno Espírito Santo, e treinou o Rio Ave o ano passado e levou-os a duas finais, na Taça da Liga e na Taça de Portugal, e perdeu ambas para o nosso querido Benfica.
-Logo vi que tinhas bom gosto e eras benfiquista.
-Uma verdadeira portuguesa tem de ser benfiquista. E por cá torces por quem?
-Senão torcesse pelo Valência, provavelmente o meu avô tirava-me da herança.
-E se não fosse pelo teu avô, não torcias na mesma pelo clube?
-Sim. - Confessou. - A minha mãe é natural de Valência, tenho família e raízes de cá, também cá pertenço, mas pelos clubes que vejo até simpatizo com o Barcelona.
-A sério? Mas agora vais torcer pelo Valência! Aposto que o teu avô até te quer fazer sócia!
-Estás completamente certo, mas eu disse-lhe que ser sócia e ser adepta de um clube, só iria ser um para toda a minha vida, e chama-se Sport Lisboa e Benfica, pelo Valência sou simpatizante.
-E fazes muito bem! E diz-me mais o que sabes da minha equipa, quero saber quais são os teus conhecimentos futebolísticos.
-Tens como colega de equipa portugueses, o Rúben Vezo, que veio do Vitória de Setúbal e o André Gomes, que veio do nosso Benfica, e marcou um fantástico golo ao Porto que nos levou à final na Taça de Portugal, e também és colega de equipa do Rodrigo, avançado que também veio do nosso Benfica, e muito falam que o Enzo Pérez está para vir, mas o Valência não quer dar 30 milhões por ele, e o Benfica agradece, é um jogador que nos dá muito jeito. E tu estás por cá emprestado, correto?
-Sim, é verdade, vamos lá ver como corre esta época. Vim de uma segunda divisão portuguesa para uma das maiores ligas do mundo para um clube com grandes ambições, mas vou dar o meu melhor e tentar adaptar-me da melhor forma possível.
-Assim é que é falar, rapaz! - Trocaram mais um sorriso cúmplice. - E sei que tens colegas de equipa como o Diego Alves, o Mustaffi, que acabou de vir do Mundial onde até foi campeão do Mundo pela Alemanha, Dani Parejo, que é o capitão de equipa, e o teu colega de defesa, mas não de posição, José Gayà, por quem o meu avô simpatiza e muito, e a minha prima também não. Além dos que já falamos.
-Interessada por futebol, portanto.
-Dizem que sim.
-Vamos então sair da água?
-Sim, vamos.
Ambos nadaram para as escadas e saíram da piscina.
-Conheces o José? Falaste dele de forma diferente...

O que será que Catarina vai responder?

Será que vai responder-lhe a verdade? Como será a relação de João e Catarina?