sábado, 19 de março de 2016

Capítulo 9: “Primeiro vais tratar da tua vida, vale?”


(Alma)
A rapariga deixou o seu companheiro da última noite ir-se embora até à casa de banho e ouviu a água correr pela banheira e os pensamentos começaram a invadir-lhe, havia traído Iker e ela sentia-se terrivelmente mal por isso, mas já o havia feito, nada o iria mudar, iria aprender a lidar com a dor da traição não iria conseguir esconder e que havia feito, nem se sentiria bem se o fizesse, mas o que mais a magoava não era a dor que iria sentir e já sentia, mas a dor de magoar outras duas pessoas, isso sim, deixava-a de rastos, Iker nunca a perdoaria, iria terminar a relação e iria ficar terrivelmente magoado e desconfiaria sempre dos próximos amores que se atravessassem na sua vida e iria ser infeliz durante os próximos tempos, era difícil recuperar e ela sabia-o.
Mustafi... Era um homem encantador, lindo e extremamente atraente e tinha um coração enorme, era inteligente e culto, ela estava encantada com ele. Já para não falar do que fizeram! Não queria acreditar que ele era virgem, havia-a satisfeito de todas as formas possíveis, como nem Iker a tinha satisfeito algumas vezes! Se se tivessem conhecido doutra forma e noutras circunstâncias, a vida deles seria completamente diferente, ela sabia-o. Provavelmente se Mustafi tivesse aparecido na vez de Iker, provavelmente Iker nunca se havia cruzado, mas a vida trocara-lhes as voltas. Como era possível um rapaz que mal conhecera dar-lhe uma volta ao coração tão grande? E ela nem sabia o primeiro nome dele... Mas não era nem cedo nem tarde para o descobrir! Enrolou-se no lençol e foi até à casa de banho... Que azar, conseguia vê-lo completamente despido, de costas e a tomar banho e a cantar, que imagem tão engraçada! Não aguentou e riu-se, ele olhou para trás e riu-se também.

-Precisas de alguma coisa? - Alma corou. - Se quiseres eu visto-me, mas como já me viste despido, não é novidade.
-Achei piada ao facto de cantares no banho, apenas isso, também cantas no balneário com os teus colegas?
-Depende... Sabes sou um rapaz envergonhado.
-Tão envergonhado que estás despido à minha frente, e conheceste-me ontem!
-Mas isso é diferente, sabias?
-Sim, mas podes continuar a cantar que eu estava a gostar do show. - Disse sentando-se na sanita.
-Já acabei de tomar banho, sabias? - Desligou a água e puxou a toalha para cobrir a cintura.
-Tens a certeza? - Aproximou-se da banheira e ainda na parte de fora sorriu-lhe. - Quero saber o teu primeiro nomes, antes de qualquer coisa.
-Vai ser mais difícil de pronunciar que o teu, sabes?
-Estou disposta a tentar... - Sorriu.
-Shkodran. - Alma olhou confusa para ele, como que pedindo uma dica como se pronunciava e como se dizia. - O melhor mesmo é continuares a chamar-me Mustafi. - Riu.
-Vai ser difícil chamar-te pelo teu primeiro nomes, por isso vou arranjar-te uma alcunha engraçada! - Riram-se. Alma pousou a mão sobre o vidro e ele retribuiu colocando a sua também. - Não quero que penses que estou arrependida do que se passou entre nós... O problema não é esse.
-É o Iker, eu sei, gostas muito dele, eu sei.
-Se tu tivesses aparecido primeiro, provavelmente nunca haveria nenhum Iker na minha vida.
-E já decidiste o que vais fazer... Quanto a nós?
-Vou acabar com ele. - Disse decidida. - E dar tempo para nós nos conhecermos melhor e a partir daí percebermos o que sentimentos um pelo outro.
-Eu sei o que sinto por ti. - Confessou ele olhando-a nos olhos.
-Não, não sabes. Ainda é demasiado cedo para isso. Ainda não me conheces o suficiente.

-Eu sei. De verdade. - Disse em castelhano e depois abriu a porta de vidro da banheira que os separava e encostou a sua mão esquerda ao pescoço dela e depois subiu-a até à sua face. Alma sentiu a respiração dele sobre os seus lábios e fechou os olhos enquanto ele sorria. Ele tomou os lábios dela como seus e uniram-se como um só. - É por isto, pelo que me fazes sentir que sei bem o que sinto.
-Eu também sei, mas quero fazer as coisas de forma correta, entendes? E não tenho sido justa nem contigo, nem com ele.
-Eu sei, e por isso vou respeitar o que fizeres, porque sei que achas que é o melhor para ti.
-Desculpa. Desculpa pelo que te estou a fazer passar, por tudo. - Ele colocou o dedo sobre os lábios dela, interrompendo-a.
-Depois falamos sobre isso, mas primeiro vais tratar da tua vida, vale?
-Vale! - Sorriram. - E posso tomar um bom banho agora ou achas que deveria ir alimentar-me primeiro?
-Toma lá banho, depois vais para a caminho e tenho lá o pequeno-almoço para ti.
-Não mereço tanto.
-Mereces sim. - Trocaram um sorriso cúmplice e ele pousou duas toalhas de banho perto da banheira e foi até à cozinha. Quando terminou de tomar banho, enrolou-se nas toalhas e foi até ao quarto, onde o alemão estava sentado sobre a cama com uma pequena mesa cheia de comida.

-Estava à tua espera.
-Assim vestido? - O rapaz estava apenas de boxers.
-Eu tenho uma t-shirt. - Levanto-se da cama e tirou uma t-shirt do armário, depois sentou-se na cama novamente. - E tu vais tomar o pequeno-almoço assim?
-Não, vou roubar-me uma camisola, que te parece?
-Uma boa ideia.

Tomara o pequeno-almoço e foram andado para o carro. Alma indicava o caminho para sua casa e ele parou o carro junto à porta dela e antes que ela saísse pousou a mão sobre a perna dela e parou.

-Quero convidar-te para jantares comigo.
-Eu aceito. - Piscou-lhe o olho. - Aqui às 20h?
-Combinado. Posso pedir-te uma coisa?
-Já gravei o meu número no teu telemóvel enquanto estavas no banho. - Piscou-lhe o olho e deu-lhe um beijo bem no canto dos lábios. - Manda-me mensagem.
-Combinado!
-E posso pedir-te, também eu, um favor?
-Tudo o que quiseres, meu bem.
-Dás-me um último beijo?

Mustafi ficou surpreendido mas sorriu, era tão bom a forma como ela o fazia sentir. Aproximou-se dela e ela aproximou-se também dele, estavam a uma distância mínima, talvez dois, três dedos entre os seus lábios, sentiam já a respiração a respiração um do outro, o hálito quente dele batia sobre os lábios dela e ela fechou os olhos em busca de sentir todas as emoções daquele beijo, mas ele não o fez, abriu ainda mais a boca e disse:

-Tens a certeza?

Alma não conseguia pensar, não conseguia responder com os seus lábios, arranjou forças nem ela soube ao certo onde e murmurou que sim, que queria. Ele não hesitou, beijou-a com todo o sentimento e intensidade que nutriam.

-Uau, que beijo. - Disse Mustafi e ambos se riram.
-Tenho medo de ir.
-Eu sei.

De repente alguém bateu no vidro por trás de Alma, assustando-o, mas rapidamente se voltaram para o vidro e ela... Ela gelou.

-É o Iker?

Alma não reagiu, não respondeu, limitou-se a continuar sem reação possível e Iker abriu a porta furioso e começou a gritar:

-Com que então não tinha razões para ter ciúmes? - Agarrou-a num braço e puxou-a para fora do carro. - Eu bem que tinha razão quando sabia que me enganavas! Ainda por cima com um tipo qualquer! - Empurrou-a para o chão e todas as pessoas na rua olharam. - Mas eu não te admito ouviste? Acabamos! Mas vais-me pagar. - Mustafi estava fora do carro e deu uma chapada a Iker. Apesar de ser contra a sua personalidade, não poderia admitir o que via. Deu a mão a Alma e fê-la levantar-se e ela colocou-se atrás do seu novo companheiro.
-Vai para o carro, por favor. - Pediu o alemão e ela obedeceu. - Nunca mais te voltas a aproximar dela, senão vais-te arrepender, ouviste? - Disse em inglês.

Entrou para dentro do carro e arrancou para longe, não olhando para longe, não olhando mais para Iker que havia ficado no chão com uma ponta de sangue no canto da boca. E foi em alta velocidade até ao centro de treinos, ele ia sério e ela foi a admirá-lo, até que soltou um sorriso e ele embora focado na estrada, percebeu.

-Estou com o cabelo terrível, nunca pensei que o sexo o fizesse tão feio!
-Fizemo-lo ontem à noite, entretanto já tomaste banho, a culpa não é do sexo, é mesmo tua! - Sorriram. - Eu não queria estragar-te ainda mais esta manhã, mas tenho uma coisa a confessar-te. - Ela falava num misto de castelhano, alemão e inglês, numa única frase, o que o fazia rir-se. - Não te rias do que estou a dizer, não tenho culpa que venhas do país do mundo com a língua mais difícil de se aprender!
-Só acho piada à mistura de palavras, mas quem precisa de falar quando se pode fazer outras coisas? - Ainda com os olhos cravados na estrada, tirou a mão das mudanças e colocou-a na perna de Alma.
-Não sejas perverso, Shkodran! - Ele riu-se. - Disse assim tão mal?
-Não. - Sorriu. - Disseste-o maravilhosamente.
-Estás apenas a ser simpático.
-Juro que estou a dizer-te a verdade!
-Então obrigado. Mas o que te tenho a revelar é outra coisa... No mínimo engraçada!
-Não me digas que é por causa do comprimento, e que o Iker é melhor de cama que eu, que já te expliquei que foi a minha primeira vez e ela não é assim tão pequena! - Alma corou.
-É maior que a do Iker está descansado! - Ele respirou fundo. - Ele é que não entende inglês... E à bocado...
-Falei em inglês com ele! - Coçou a parte de trás da cabeça, era o seu tique envergonhado. - Não fazia ideia, mas acho que ele percebeu a mensagem.
-Também acho que sim.
-Não tens nada que te preocupar, eu vou proteger-te dele e de qualquer outro mal, mesmo que decidas não ficar comigo.
-Eu escolhi ficar contigo. - Mustafi estacionou o carro no estacionamento do centro de treinos e olhou para ela.
-A sério?
-Sim! - Deu-lhe um beijo no canto dos lábios. - Mas já falamos, vai lá treinar, meu orgulho.
-Quando voltar falamos sobre tudo, está bem?
-Sim. - Deram um curto beijo nos lábios.
-Ficas bem?
-Sim, não te preocupes. Vai lá treinar que eu vou tratar de umas coisas.
-Obrigada e até já! - Trocaram mais um sorriso e ela viu-o correr até ao balneário onde provavelmente os outros colegas já estariam também. Sorriu ao vê-lo correr pela primeira vez, já o conhecida despido mas admirá-lo vestido era outra sensação completamente diferente... Não eram os olhos de desejo, mas sim, olhos de apreço, olhos de ternura e talvez com olhos de quem começava também a gostar realmente, talvez. Aliás ela sabia que começava a ser amor, mesmo que também gostasse de Iker era diferente e apesar de temer a religião de Mustafi, queria arriscar. Pegou no telemóvel e ia telefonar para a irmã mas percebeu que havia chegado mais um carro ao parque de estacionamento, afinal Mustafi não era o mais atrasado, ou talvez fosse, não sabia, não conhecia nenhum outro jogador. Ou talvez conhecesse. José Gayá saiu do carro e ela saiu também, iria cumprimentá-lo, embora fosse notório que ele estava com pressa.

-José?

O rapaz olhou para trás e aproximou-se dela, cumprimentara,-se e o rapaz parecia claramente constrangido.

-Que fazes aqui? - Alma havia-se esquecido completamente que não tinha resposta a essa pergunta... Não lhe poderia contar tudo sobre a última noite. Ele olhou para o carro de onde ela saira. - Conheces o Mustafi? - Ela coçou a cabeça, já começara a ter o tique nervoso dele.
-Sim... Pode dizer-te que sim.
-A tua irmã está muito preocupada contigo.
-Como sabes que ela está preocupada comigo?
O rapaz corou e calou-se também não tinha resposta.
-Bem, estou a ficar atrasado, secalhar é melhor ir andado. - Despediu-se dela com dois beijos e fugiu, sem lhe dar tempo de responder, ou sequer pensar no que iria responder.

Alma desconfiou, mas acabou por não dar mais importância ao que sucedera, entrou para o carro e telefonou para a sua irmã. O telemóvel tocou, tocou e voltou a tocar e a irmão não atendia. Telefonou também para a prima mas não atendeu. Estranhou mas decidiu mandar uma mensagem a Isabel para a descansar:

Está tudo bem comigo, não precisas de te preocupar! Logo falamos! Beijos :) ”

Assim que enviou a mensagem, decidiu começar a pesquisar sobre o seu recém companheiro... E os resultados na Internet começaram a surgir. Leu uma série de entrevistas, o percurso profissional que havia feito até chegar ao Valência. Percebeu que era um jogador reconhecido mas com um enorme futuro pela frente, que apesar de aparentar ser mais velho, tinha apenas 22 anos, entendeu qual era a sua forma de jogar, e posicionamento, e também conseguiu compreender que ele era extremamente profissional. Pouco falava ou se sabia sobre a sua vida pessoal e isso agradava-lhe, não queria ser comentada ou falada pelo país ou pelo mundo, queria manter a sua privacidade e a sua vida tal como estava. Pouco ou nada se sabia da sua infância e da sua vida pessoal, sabia-se sim que ele era muçulmano e ela já o sabia, ele dissera-lhe logo no começo. Aproveitou para pesquisar também um pouco sobre futebol, pouco ou nada sabia e queria compreender, ou ter algumas bases sobre o desporto, e o clube onde ele jogava. E tudo o que lia era em alemão, e o que não conseguia compreender tentava procurar a sua tradução, para assim também aumentar o seu nível cultural e intelectual, principalmente em alemão. Queria também ajudá-lo a falar melhor castelhano e para isso precisava de saber melhor o alemão, em caso de aflição, usavam o inglês e era habitual fazerem-no em algumas palavras, assim conseguiam comunicar e divertirem-se ao mesmo tempo. Acabou também por nascer uma certa curiosidade sobre a religião dele... Durante a sua vida ouvira falar bastante e nos últimos meses ouvira falar ainda mais e queria saber mais e mais, queria tornar-se mais culta, queria que ele notasse que ela se empenhava por ele e por aceitar as diferenças notórias entre eles. Mas a curiosidade sobre a cultura e a religião dele também despertaram. As suas pesquisas deram resultado e acabou por aceder também a blogues com testemunhos de jovens que se haviam convertido ao Islão, e também de raparigas que casaram com muçulmanos e no próprio dia do casamento se arrependeram... Porque eles modificaram completamente. Ela ingeriu tudo o que descobriu e as lágrimas vieram-lhe aos olhos, custava-lhe tanto. Até que uma música se ouviu tocar na rádio:

Lucky you were born that far away so (Sorte a tua por teres nascido tão longe)
So we could both make fun of distance (Porque pudemos brincar com a distância)
Lucky that I love a foreign land for (Sorte que eu adore uma terra estranha)
The lucky fact of your existence (Apenas pelo facto da tua existência)
Baby I wold climb the Andes solely (Bebé, eu escalava os Andes, apenas)
To count the freckles on your body (Para contar as sardas do teu corpo)
Never could imagine there were only (Nunca poderia imaginar dizer que havia)
Ten million way to love somebody (Dez milhões de formas de amar alguém)

Le do lo le lo le, Le do lo le do le
Can't you see... I'm at your feet (Não consegues ver... Estou a teus pés)

Whenever, Wherever (Em qualquer momento, em qualquer lugar)
We're meant to be together (Nós fomos feitos para estarmos juntos)
I'll be there and you'll be near (E eu estarei lá e tu estarás por perto)
And that's the deal my dear (É esse o acordo, meu querido)
There over, here under (Lá em cima, lá em baixo)
You'll never have to wonder (Nunca terás de perguntar)
We can always play by ear (Nós pudemos sempre improvisar)
But that's the deal my dear (Mas é esse o acordo, meu querido)

Lucku that my lips not only mumble (Sorte que os meus lábios não só resmungam)
They spill kisses like a fountain (Também derramam beijos como uma fonte)
Lucky that my breasts are small and humble (Sorte que o meu peito é pequeno e humilde)
So you don't confuse them with mountains (Assim não os confundes com montanhas)
Lucky I have strong legs like my mother (Sorte que tenho pernas fortes como a minha mãe)
To run for cover when I need it (Para correr para um abrigo quando precisar)
And these two eyes that for no other (E estes dois olhos não são para nenhum outro)
The way you leave will cry a river (No dia em que partires, chorarei um rio)

Le do lo le lo le, Le do lo le do le
Can't you see... I'm at your feet (Não consegues ver... Estou a teus pés)

Think out loud, say it again (Pensa em voz alta, diz novamente)

Le do lo le lo le lo le
Tell me one more time (Diz-me mais uma vez)
That you'll live (Que viverás)
Lost in my eyes (Perdido nos meus olhos)

Whenever, Wherever (Em qualquer momento, em qualquer lugar)
We're meant to be together (Nós fomos feitos para estarmos juntos)
I'll be there and you'll be near (E eu estarei lá e tu estarás por perto)
And that's the deal my dear (É esse o acordo, meu querido)
There over, here under (Lá em cima, lá em baixo)
You'll never have to wonder (Nunca terás de perguntar)
We can always play by ear (Nós pudemos sempre improvisar)
But that's the deal my dear (Mas é esse o acordo, meu querido)

Embora a música lhe dissesse tanto... E descrevia a relação e o amor que sentia pelo alemão, não conseguia esconder as suas inseguranças e medos, chorou, chorou e chorou... Era demasiado perfeito para ser realidade e tinha de abrir os olhos. Até que ao longe viu Mustafi que correu até junto do carro, abriu a porta e abraçou-a. Ela pousou as mãos no seu peito e sentiu-se receosa, mas calma simultaneamente.

-Que há passado, mi amor? - Perguntou com o seu (fraco) sotaque castelhano.

Será que Alma vai contar a verdade?
Será que os seus medos serão fundamentados? E a história com Iker?